terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Oscar 2025: Fernanda Torres VERSUS Karla Sofía Gascón!

Amigos e amigas, amantes da 7ª arte. Oscar 2025 está chegando (02/03), e recheado de polêmicas envolvendo o Brasil. E em duas frentes: Ainda estou aqui versus Emília Perez e Fernanda Torre versus Karla Sofía Gascón.

Recentemente, as atrizes Fernanda Torres e Karla Sofía Gascón estiveram no centro de uma grande polêmica na temporada de premiações de 2025. Ambas indicadas ao Oscar de Melhor Atriz, as duas se viram envolvidas em discussões fortes sobre representatividade, racismo e ataques nas redes sociais.

 

Fernanda Torres recebendo 

o Globo de Ouro.


Gascón recebendo o prèmio no festival de Cannes

Gascón recebendo o prêmio no
festival de Cannes.


Karla Sofía Gascón e a polêmica com Fernanda Torres.

Interessante salientar que antes das acusações, Fernanda Torres e Karla Sofía Gascón já haviam se encontrado em vários eventos, com uma “rasgação de seda” para ambos lados. Até aí, tudo bem, parecia que seria uma disputa saudável.

Mas Gascón causou polêmica ao sugerir que a equipe de Fernanda Torres estaria por trás de uma campanha difamatória contra ela e o filme Emilia Pérez. Após a repercussão negativa, a atriz voltou atrás e elogiou Torres, dizendo que a brasileira sempre demonstrou apoio e respeito. Karla Sofía Gascón, atriz espanhola e a primeira mulher transgênero a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz. Não colou.

Mas o feitiço virou contra a feiticeira. Comentários antigos feitos por ela nas redes sociais, considerados racistas e xenofóbicos, foram resgatados, gerando forte reação do público. Gascón apagou suas contas e pediu desculpas, alegando que suas declarações eram de outro momento de sua vida e não refletem quem ela é hoje.

Vamos polemizar? Ass. Karla Sopía Gascón

Vamos polemizar? 


Fernanda Torres e o o vídeo polêmico.

Infelizmente Fernanda Torres também sofreu hate de grande parte do público e alguém (intencionalmente) resgatou um momento infame na carreira. Seu nome também apareceu nas manchetes devido ao ressurgimento de um vídeo antigo em que ela aparece fazendo blackface em um quadro de humor do programa Fantástico, em 2008.

A prática do blackface, em que uma pessoa branca pinta a pele para interpretar personagens negros, é considerada racista e ofensiva. Diante da repercussão, Torres se pronunciou, reconhecendo que o vídeo era um erro e afirmando que a consciência sobre a questão racial mudou ao longo dos anos. Ela reforçou seu compromisso contra o racismo e pediu que as pessoas evitassem propagar ódio.

Mas na prática, Fernanda Torres venceu Karla Sofía Gascón no quesito retratação. Fernanda Torres se portou de forma mais serena, e Karla Sofía Gascón continuou polemizando.

 

Premiações.

Apesar das controvérsias, ambas as atrizes foram amplamente reconhecidas por suas performances (citarei os mais importantes):

Fernanda Torres venceu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama, Satelitte Awards, Goya.

Karla Sofía Gascón conquistou o Prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, o BAFTA.

 

Emilia Pérez e as críticas ao filme.

Ambientada no México, protagonizado por Gascón (espanhola) e dirigido pelo francês Jacques Audiard (???), o filme também não escapou das críticas. E não foram poucas.

Um visionário ou...

Um visionário ou...

A produção foi acusada de falta de autenticidade, pois retrata a cultura mexicana sem verdadeiros representantes (o próprio diretor afirmou que não precisou ir ao México para criar o filme).

Selena Gomez (que é norte-americana, mas de origem latina) foi criticada pelo uso ineficaz da língua espanhola.

O uso de IA. A tecnologia foi empregada para aprimorar a performance vocal da atriz principal, Karla Sofía Gascón, especialmente nas cenas musicais. É uma discussão que ainda var dar o que falar.

A transição de gênero foi algo muito criticado. O/A personagem principal era um bandido violento e sanguinário, mas após a operação tornou-se a Emília “paz e amor”, a defensora dos oprimidos (eu não sabia que, em uma operação para mudar de sexo, o transplante de cérebro estaria incluso!).

 Além disso, parte do público considerou a narrativa problemática ao misturar o tráfico de drogas com a temática transgênero, reforçando estereótipos.

Outro ponto controverso foi a reação da Netflix, distribuidora do longa. Após a polêmica envolvendo Gascón, a empresa decidiu não financiar mais sua participação em eventos de premiação, embora continue promovendo o filme.


Considerações finais.

Eu não assisti Emilia Pérez, mas já vi diversos críticos de cinema (que eu respeito demais) “detonando” o filme (inclusive pelas 13 indicações ao Careca Dourado), devido às superficialidade e incongruências. E, com todo respeito a quem gosta, não suporto musicais.

Mesmo que Ainda estou aqui tenha sofrido boicote de parte do público brasileiro (a questão dos extremismos da politica brasileira), o filme conta uma história real que chocou o Brasil e hoje choca o mundo. E que coisa linda ver que o livro do grande Marcelo Rubens Paiva está entre os mais vendidos da atualidade. Viva a literatura nacional!

Farnanda Torres, Selton mello e o diretor Walter Salles.

Fernanda Torres, Selton Mello e o diretor Walter Salles.


Marcelo, grande escritor nacional. Filho de Eunice e Rubens Paiva.

Marcelo, grande escritor nacional. Filho de Eunice e Rubens Paiva.


As duas versões de Eunice Paiva.

As duas versões de Eunice Paiva.


As duas versões de Rubens Paiva

As duas versões de Rubens Paiva.

Estou sendo imparcial??? Estou, mesmo tendo visto (e adorado) somente Ainda estou aqui, porque acredito que é um filme com um tema muito mais relevante do que o de Emília Pérez. 

Afinal, enquanto o filme brazuca aborda questões históricas e de direitos humanos no Brasil, trazendo uma reflexão profunda sobre nossa própria realidade, Emília Pérez parece se apoiar mais em uma narrativa estilizada, que mistura crime e identidade de gênero de uma forma que tem gerado controvérsias. Mas claro, isso não significa que um filme seja necessariamente melhor que o outro — apenas que, para mim, um tem um impacto mais significativo.

 Mas as ficha estão na mesa. Quem vence???

Fernanda Torres X Karla Sofía Gascón.
 Ainda estou aqui X Emilia Pérez.

A questão que fica: vale tudo por um Oscar??? Quem viver até o dia 2 de março, verá.

 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

"Ainda estou aqui" (I'm Still Here), Oscar, Selton Mello e seu legado para o cinema nacional

    O blog é essencialmente ligado à literatura, mas pontualmente me rendo a uma outra paixão que eu tenho: o cinema. E hoje, 23 de janeiro de 2025, o cinema nacional teve uma vitória das mais emblemáticas: a indicação ao Oscar em três categorias: melhor filme internacional, melhor filme e melhor atriz (Fernandinha, eu te amo). Muito merecido, porque é um filme fabuloso, que retrata o período mais sombrio da nossa história. Vi no dia do meu aniversário (foi no dia 11 de novembro, uma segunda-feira. E eu acabeime presenteando com esse filme lindo - e necessário).


Família Paiva na praia
Família Paiva na praia


Família Paiva (foto para a revista).
Família Paiva (foto para a revista).


Eunice
Eunice.



Foto comparativa ente Selton Melo e Rubens Paiva. Muito semelhantes!
Foto comparativa ente Selton Melo e Rubens Paiva. Muito semelhantes!


    Particularmente, esperava a indicação de Selton Mello (que interpretou Rubens Paiva com maestria), mas (e infelizmente) não aconteceu (ele tinha uma concorrência muito forte), mas aqui deixo a minha homenagem a este excepcional ator (e diretor) brasileiro. Um cara que é perfeito interpretando tanto papéis dramáticos quanto cômicos, um camaleão das artes. Tenho em DVD três de seus melhores filmes (o quarto é, com certeza, "Ainda estou aqui") e falarei um pouco sobre eles.


    Selton é o Lourenço, um sujeito que posso chamar de escroto, protagonista de "O cheiro do ralo". Filme feito para incomodar, para mostrar que existem seres humanos que podem ser excêntricos, loucos, sujos, sem empatia, sendo que o Lourenço (interpretado de forma espetacular pelo Selton Mello) é a mistura de todas estas características; Um personagem que provoca asco em muitos momentos, ao mesmo tempo que provoca dó, pois o Lourenço é uma pessoa doente e suas atitudes grotescas são apenas reflexos os conflitos externos que ele tem. Na primeira vez que vi eu achava que era uma comédia com toques dramáticos, mas hoje, com mais maturidade cinematográfica, defino o filme como um drama com momentos de comédia.


O cheiro do ralo. Disponível na Globoplay.

Disponível na Globoplay.


   Selton é o melancólico Benjamim em "O Palhaço", comédia dramática que marca sua primeira vez como diretor. Que belo filme, em todo os sentidos. História, fotografia, elenco, trilha sonora (sim!!!). Um filme daqueles que você senta na poltrona do cinema e torce para que o filme não acabe, tamanha a qualidade da película. A trama é focada na crise de identidade do personagem do Selton Mello. Acho que isso aproxima mais ainda o público, pois quem já não passou por isso??? Se não passou, ainda vai passar em algum momento da vida.
    Um filme que, na sua simplicidade e autenticidade, me conquistou em cheio. Tocante.

O palhaço> Disponível na Globoplay e Netflix.

Disponível na Globoplay e Netflix.


    Selton é o inesquecível Chicó em "O Auto da Compadecida", o covarde que usa a mentira para sobreviver, que eternizou o bordão "não sei, só sei que foi assim". 

O auto da compadecida>Disponível na Globoplay.

Disponível na Globoplay.



    Realista, engraçado, inteligente, ágil, é um dos filmes mais amados pelos brasileiros.


Eu continuo apaixonado pela Virgínia Cavendish (e ela sabe disso 😆😆😆).

Eu continuo apaixonado pela Virgínia Cavendish (e ela sabe disso 😆😆😆).



João Grilo e dona Rosinha

João Grilo e dona Rosinha (💗💗💚💚💚)





Aqui algumas frases marcantes do filme:

"Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre."
"Jesus? Pretinho daquele jeito?"
⁠"Ô, promessa desgraçada. Ô, promessa sem jeito!"
"Depois que morre, todo mundo fica bonzinho!"
"João Grilo: I love you?
Chicó: Quer dizer morena em francês."


A dupla mais amada do cinema nacional.
A dupla mais amada do cinema nacional.

    Outros filmes do Selton que eu adoro: "Meu nome não é Johnny", "O que é isso, companheiro?", "A erva do rato" (polêmico), "O coronel e o lobisomem", "Caramuru - A invenção do Brasil", "Lavoura Arcaica", "A mulher invisível", Jean Charles", "Trash - A esperança veio do lixo", "O filme da minha vida", entre outros.

Viva Selton Mello, Fernanda Montenegro Fernanda Torres, Walter Salles, cinema nacional. 


Viva a arte, porque ela salva o mundo.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Meu conto de Natal - Um natal tal que qual

 

Um continho de Natal


      Amigos e amigas, conhecidos(os) e desconhecidas(os), curiosas(os), como vão??? Já estão no espírito natalino???

    Bom, eu não pretendia criar nenhum post sobre o Natal, porque eu sofro de uma espécie de depressão, uma melancolia constante nesta época (alguém mais sofre com isso??? Creio que sim), e opto por um certo recolhimento. Mas na noite passada tive um sonho, e quem me conhece um pouco mais sabe que os meus sonhos são as matérias-primas para muitos textos que escrevo. 

Eu sonhei com a Mamãe Noel!

       Brincadeira, mas eu sonhei com uma mulher idosa, com cabelos muito brancos e com uma bondade muito semelhante a do Papai Noel. No meu sonho, ela conversava com um homem com uma aparência muito pobre, e ela estregava uma chave para ele. Ele perguntou que chave era aquela e ela respondeu que era o presente de Natal dele: uma casa. Não lembro de mais nada.

    Mas aquilo fico na minha cabeça e peguei meu caderno de anotações. Escrevi tudo aquilo que eu lembrava, até que em certo momento eu pensei “esse sonho poderia dar uma boa história de Natal”. comecei a escrever à tarde e só terminei à noite, quando já era dia 18.

    E aqui está a história de José, Maria, Jeremias e Magdalena, e a história destes personagens acontece em uma noite de Natal. Você pode até imaginar que são personagens fictícios, mas assim como dizia um dos meus mestres (um desconhecido chamado Gabriel García Márquez), a minha ficção é baseada em histórias e pessoas reais.

    Assim como em “O pequeno vendedor de rosas” (https://www.amazon.com.br/pequeno-vendedor-rosas-Ricardo-Furlan-ebook/dp/B0DPHF299H), espero que meu conto desperte em você o espírito de solidariedade que muitas vezes (mas em alguns, nunca apareceu) só surge nas festas natalinas, mas que deveria ser algo recorrente em nossas vidas. Amar o próximo, como disse o grande aniversariante do dia 25.

Tenham um ótimo Natal, e nunca se esqueçam que o Menino Jesus é o único e verdadeiro, aquele que veio para unir e ensinar a amar.

Que a paz e a luz de Jesus entre nas vidas de todos aqueles que Nele creem e que leram as minhas palavras. 


Um Natal tal e qual.

     Com um sorriso triste, José despediu-se da família naquela véspera de Natal.

    — Feliz Natal, papai — disse o menino de nove anos, quase.

    — Feliz Natal, meu filho. Amanhã o pai tá aqui e a gente comemora, tá bem?

    — Tá, pai. Vai com Deus.

   — Tudo bem. Pai, não esquenta não, a gente vai ficar bem. É só um dia como qualquer outro — afirmou sua esposa,

    Maria chamava-o carinhosamente de pai. Ela também estava triste por passar mais uma noite de Natal sem a presença do marido. Ele só balançou a cabeça e saiu, já era noite e ele precisava caminhar 10 km até o condomínio Monte Santo, onde trabalhava como porteiro há dez anos.

     José recebia vale-transporte em dinheiro, fazia seu trajeto diário a pé todos os dias para economizar e assim complementar o salário mínimo que recebia. Ele tinha uma esposa adoentada e um filho pequeno para alimentar. Mas as varizes nas pernas estavam aumentando muito, era uma herança nada agradável que José recebeu de seu pai, Severino. José procurou atendimento da rede pública, mas o tratamento foi ineficaz e os medicamentos de que necessitava nunca estavam disponíveis para ele. Sem condições para o tratamento, José penava para dar o mínimo de conforto para sua família.

     E lá estava ele novamente, em mais uma noite solitária de 24 de dezembro. Ele estava sentado na portaria, olhando os poucos veículos que passavam pela rua e pensando nas famílias em festas, nos perus, nos “tios do pavê”. Ele tentava não pensar em sua família (e também era noite de Natal), quando um rapaz entrou no recinto.

    — Boa noite, Zé. Tudo bem? A vó tá te chamando lá no escritório.

    — Boa noite, seu Augusto. Tá tudo bem. Mas não posso sair daqui não.

    — Hahaha! Zé, pode parar de me chamar de “seu Augusto”. O senhor me conhece desde criança e eu te chamo de Zé desde sempre, tá mais do que na hora de me chamar de Guto. Pode ir lá que eu cuido aqui para o senhor, qualquer coisa, leva o rádio que eu te chamo. Beleza?

    José sorriu e respondeu:

    — Se o patrão diz, tá dito.

    — Patrão… fala sério, Zé! E vai lá que a vó tá te esperando.

    Um pouco desconfiado, José dirigiu-se até o pequeno escritório, que ficava localizado em uma sala anexa ao salão de festas do suntuoso condomínio residencial. Várias teorias passavam pela sua mente, mas a que mais o apavorava era aquela na qual ele receberia notícia da sua demissão.

    — Licença, dona Magdalena, a senhora me chamou? — anunciou José, com nervosismo.

    — Boa noite e feliz Natal, José. Sente aqui comigo, precisamos ter uma conversa séria.

    José ficou ainda mais desconfiado e seu coração batia de forma mais acelerada. Sentou-se, apreensivo.

    — Zé, quantos anos que você trabalha aqui na portaria?

    — Acho que uns 9, 10 anos, dona Magdalena.

    — Um bom tempo. E você está contente com o emprego?

    Ele gelou. — Sim, sim, dona Magdalena. Eu adoro, todo mundo me trata bem, o serviço é tranquilo.

    — Mas você ganha uma miséria e tem uma esposa e filha pra criar. Maria e Jeremias, não é?

    — Sim, mas a gente se vira, dona. É a vida.

    — E como é a vida lá no teu bairro? Vila Nova, não é?

    Ele gelou novamente. Quando ele já era morador de uma comunidade e estava desempregado, uma moça ofereceu-se para criar um Curriculum Vitae, mas disse que precisaria incluir um endereço fictício em um bairro considerado bom. Seria muito arriscado incluir o endereço de um barraco de favela, então no CV estava uma pequena mentira.

    — É, é bom sim.

    — E a padaria do Alfredo ainda existe? — Magdalena o encarava.

    José nunca soube da existência da padaria do Alfredo. — Sim, sim, o pão deles é muito bom, dona — mas ele ficou desconfortável com aquela mentira.

    — Certo, certo. E sua esposa, está bem? Soube que ela estava doente. E teu filho?

   — A Maria estava doente, ela tem uma anemia que vai e volta, mas agora tá bem. E o Jeremias tá bem, passou de ano, só tira nota boa.

    — Que bom saber, Zé.

  — Mas dona Magdalena, por que a senhora me chamou aqui? Se fosse só pra bater papo, não precisava me chamar aqui, era só ir lá na portaria. Sei que o Augusto tá lá, mas ele não precisa ficar lá todo esse tempo, é o meu trabalho.

    — Não esquenta com o Guto não, ele não vai sair de casa hoje. E não te chamei só pra bater papo com você, Zé. Era pra te contar uma mudança que faremos aqui. Grandes mudanças, na verdade.

    Aquilo que era uma especulação tornou-se uma certeza na mente do porteiro. Um pesadelo justamente na noite de Natal.

    — Dona Magdalena, por favor, não me manda embora, não me mande embora. Eu tenho um filho pequeno pra criar e a Maria tá sempre doente. Eu ganho pouco, mas é o nosso ganha-pão! — o desespero tomou conta dele.

    Magdalena, uma senhora idosa de cabelos tão brancos quanto as barbas do Papai Noel, levantou-se e foi até José. Ele nem teve tempo de se esquivar do abraço forte que recebeu da síndica.

    — Zé, e quem te disse que vai perder o emprego?

    — Ninguém, dona Magdalena, mas eu juro que depois de tudo isso que a senhora me falou, eu achei que já não tinha mais emprego. Mas agora não estou entendendo mais nada!

    — Não coloque o carro na frente dos bois, meu querido. Calma, toma um café, acabei de trazer lá de casa, já vou te explicar tudinho.

    — Tá bom, dona Magdalena — ele pegou uma caneca ornada com renas e então serviu-se de café.

    — Mais calmo, meu filho?

    — Sim.

    — Zé, ninguém gosta de mentiras, mas algumas são necessárias. Você mentiu, mas por uma boa causa: sobrevivência.

    Ele apenas balançou a cabeça, admitindo seu erro.

    — Eu sei que vocês não moram no Vila Nova, nunca moraram, mas sim na comunidade. Eu te entendo e nem penso nisso como uma mentira, uma traição.

    José perdeu o medo de Magdalena e justificou seus atos.

    — Perdão, dona Magdalena, mas eu tava em uma situação desesperadora. A Maria grávida e eu sem um quilo de farinha em casa, nem pra fazer um pirão…

    A confissão sincera do porteiro surtiu um efeito imediato na idosa. Ele levou um tempo para se recompor e continuar seu raciocínio.

    — Mas eu sei de muitas verdades terríveis que você nunca quis nos contar: que caminha 20 quilômetros todos os dias pra vir trabalhar, porque precisa do dinheiro do vale-transporte pra complementar a renda; que está sofrendo muito com as suas varizes e com a situação da Maria. E que você é analfabeto também.

    José não sabia que Magdalena sabia tanto da vida dele, mas teve certeza de que ela não sabia de tudo. Abaixou a cabeça e ficou em silêncio, até despejar palavras com a voz embargada.

    — Desculpa pelas mentiras, dona Magdalena.

   — Zé, você não precisa pedir desculpas para ninguém. Quem precisa pedir desculpas pra você é o mundo, que não te deu oportunidades como as que eu tive, as pessoas que moram aqui no condomínio. O mundo bateu demais em você, o mínimo que poderia ter feito era revidar um pouco.

    — Acho que a sinhora sabe que eu e a Maria viemos lá da roça, só com uma trouxinha de roupa debaixo do braço.

    — Sim, só não sei dos detalhes. Mas sei até que vocês moraram debaixo do viaduto por um tempão. Quer dizer, morar não é bem a palavra certa. Vocês sobreviveram.

    — Sobrevivemos. Se não fosse a mão de Deus naquela noite, lá debaixo do viaduto, eu não tava aqui falando com a senhora…

    Magdalena arregalou os olhos.

    — Meu amigo, pode desabafar comigo.

    — Vou contar uma coisa pra senhora, só porque a senhora é um pessoa muito boa. Teve uma noite lá debaixo do viaduto que passaram atirando, a gente nem sabia se era coisa de bandido, de polícia, e uma pessoa morreu. Tenho pesadelo até hoje com isso, dona…

    — Meu Deus...

   — Naquele dia eu resolvi que não dava mais pra ficar lá e peguei a Maria, acabamos na favela. Lá tem gente de todo tipo: geste de bem e trabalhadora, mas também muito bandido. E assim a gente vai levando.

    Magdalena estava com lágrimas nos olhos.

    — Meu Deus, Zé! Disso eu não sabia! Mas não quero te enrolar mais, preciso te contar. Senta e relaxa.

    — Dona Magdalena, já que a senhora insiste, vou beber mais um cafezinho.

    — Zé, já estamos planejando isso há um bom tempo, mas achamos que a melhor hora para te contar seria agora. Nós aqui do condomínio nos unimos por sua causa, pela sua família e resolvemos tomar algumas atitudes. Financiamos aquela casinha verde, que fica aqui perto, sabe? Aquela que estava caindo aos pedaços, mas reformamos e agora ela é sua, e você vai pagar o financiamento dela com o aumento salarial que os condôminos aprovaram. Não se preocupe, as prestações são bem baixas.

    Ele quase não acreditava no que ouvia.

    — Nunca imaginei isso, dona. É muita bondade, não sei nem como agradecer!

  — Calma, o pacote ainda não está completo. No mês que vem você vai em um especialista e resolvemos o problema de uma vez por todas. Vamos fazer um check-up na Maria também, e nós vamos arcar com todas as despesas. Sobre o Jeremias, pensamos em arcar com os custos de um curso de línguas para ele e, quando ele estiver em idade para estudar para os vestibulares, arcar com os custos do melhor cursinho pré-vestibular da cidade. Pode ser, meu caro José?

     José, o homem cuja humildade e benevolência obrigaram-no a levar uma vida de muitas dificuldades, estava em um estado de quase transe diante de tantas bençãos que estava prestes a aceitar. Apenas fez que sim com a cabeça e seus olhos estavam vermelhos de tanto segurar as lágrimas que insistiam em cair.

     Com um olhar carinhoso de uma mãe oferece a um filho, Magdalena respondeu:

    — Que bom Zé, mas temos uma única condição.

    — Condição?

    — Sim, condição. Vai fazer uma coisa por nós e pra você também: queremos você aceite receber aulas da professora Giuliane, porque ela quer ver você alfabetizado e eu também. Ela e eu queremos esta vitória pessoal sua, porque aprender a ler e escrever pode abrir muitas portas, você pode retomar seus estudos e com isso terá mais oportunidades na vida. Nós somos muito abençoados por termos você como porteiro, mas sabemos que dentro de você há uma pessoa que pode ser muito mais do que um porteiro.

    — Mas eu gosto de ser porteiro, dona Magdalena.

    — Zé, Zé, nosso pedido não é nenhum sacrifício pra você, não é?

    — Não é não, dona Magdalena. Eu não sei falar bem, a sinhora sabe que eu nunca estudei, mas minha finada mãezinha sempre ensinou que quem ajuda os outros já tem lugar guardado no céu, e o da senhora já está reservado. A dona Eulália falava pouco, mas tudo o que ela falava era ouro puro.

    — Obrigado, Zé. Mas eu ainda não sei se mereço. Só estamos tentando colocar um pouco de justiça nesse mundo injusto.

    — Merece muito, dona Magdalena, eu sei disso. A senhora não sabe, mas hoje é o melhor dia da minha vida, só posso agradecer a Deus por ter colocado uma pessoa como a senhora na minha vida, uma pessoa que me viu como gente.

    — Meu amigo José, essa velha aqui vem aqui te pedir desculpas por não ter te enxergado por tanto tempo.

    — Não precisa se desculpar por nada, dona Magda. Mas eu preciso voltar pro trabalho, eu ainda preciso trabalhar.

    — Claro, Zé. Saiba que você está aqui há tanto tempo devido ao seu profissionalismo. Mas antes eu preciso da sua opinião sobre uma mudança que queremos fazer no salão de festas, só vai levar um minutinho. Pode ser?

    — Que é isso, dona Magdalena, quem sou eu pra da opinião? Mas vamos lá.

    — Você é o José Carlos dos Santos Silva, nosso porteiro querido, meu amigo. Agora fica quieto e me acompanha até lá agora, a sua opinião será mais importante do que a de qualquer outra pessoa.

    Magdalena levantou-se e foi até a porta do salão de festas. Lá dentro dominava a escuridão.

    — Pode entrar primeiro e acender as luzes? Sou meio medrosa ainda.

    — Claro, não tem problemas. Pode passar as chaves que eu entro.

    Ele recebeu o molho de chaves, abriu a porta e procurou os interruptores. Quando acendeu as luzes, viu uma multidão amontoada em um canto e elas começaram a gritar: “Zé, Zé, Zé, Zé, Zé, Zé”.

    Jeremias veio correndo ao encontro do pai, ainda mais atônito.

    — Papai, feliz Natal! Olha aqui o que eu ganhei! — era uma mochila escolar enorme, recheada de livros novinhos em folha, além de um kit de ciências (e que era um sonho distante de Jeremias).

    — Que legal. Feliz Natal, meu filho — ele pegou o filho e o levantou. — A mamãe tá aqui?

    — Tá sim, olha ela lá falando com a tia Magdalena — Jeremias apontou para as duas mulheres, que conversavam animadamente. — Sabia que a mamãe ganhou uma máquina de costura novinha da tia?

    Na manhã do Natal, José manteve o mesmo ritual dos anos anteriores. Vestiu seu traje improvisado de Papai Noel e foi distribuir os doces e brinquedinhos para as crianças carentes da comunidade, comprados com o dinheiro do 13º salário (mas desta vez na companhia de Magdalena, Augusto, Giuliane e de outros moradores do condomínio). Enquanto caminhavam juntos pelas ruas enlameadas, a alegria inocente das crianças refletia nos olhos de todos.

    Ao final do dia, ao ver o sorriso no rosto de cada criança e o brilho de gratidão nos olhos dos amigos, o porteiro sentiu seu coração aquecido. Naquele momento, ele percebeu que o verdadeiro espírito do Natal não estava nos presentes, nas festas extravagantes, mas no amor e na união que compartilhavam. Com lágrimas de felicidade, ele acariciava os cabelos de seu filho no sofá velho, enquanto sentia o incomparável cheiro do bolo de laranja que Maria assava no forno do fogão carcomido pelo tempo.

    Ele teve uma certeza: estava no melhor lugar do universo.

 

 Ricardo Furlan, 18/12/2024.


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